Quem lê a lista de inscritos deste ano, pode ver entre os estreantes a presença de Lance Stroll. Este canadiano de 18 anos, filho de Lawrence Stroll, um dos homens mais ricos do país, bancou a carreira do seu filho desde muito cedo, no karting, chegando onde chegou à custa de algumas dezenas de milhões de dólares. Apesar de não ser acionista da Williams, ajudou a equipa em comprar um simulador de ponta e financiou os milhartes de quilómetros de testes que Lance fez desde meados do ano passado, num carro de 2014. E até poderá ter ajudado a convencer Felipe Massa em largar a aposentadoria por um ano, embora oficialmente, quem esteja a pagar o salário é a patrocinadora principal, a Martini. Contudo, há mais um pormenor do qual pouca gente pensa nisso e que descobri quando fazia a minha leitura diária no sitio do jornalista britânico Joe Saward: o apelido Stroll é apenas a anglicanização do apelido Strulovich, trazido pelo avô de Lance, Leo, quando chegou ao Canadá no inicio do século passado, vindo da Rússia. Apesar de secularizados, Lawrence e Lance tem herança judaica, embora o pai tenha casado com uma não judia. E isso é interessante quando fazemos uma pesquisa num Google ou Wikipédia perto de si para responder à pergunta “Quantos judeus foram pilotos?”. E a resposta é surpreendente, para quem não sabe da história. É que falamos de pessoas que foram campeões do mundo e vencedores das 500 Milhas de Indianápolis. E até um ator de Hollywood! Toda a gente conhece Paul Newman: vencedor de um prémio da Academia de Hollywood, uma carreira cinematográfica de 50 anos, mas também correu na categoria IMSA por mais de duas décadas, sempre ao serviço da Nissan, bem como ter sido segundo classificado nas 24 Horas de Le Mans de 1979, como piloto da Dick Barbour Racing, a bordo de um Porsche 935. E claro, também como co-proprietário da Newman-Haas, em conjunto com Carl Haas. Contudo, Newman é filho de um judeu, Arthur Newman, com origens húngaro-eslovacas, tal como a sua mãe, Theresa, uma católica de origem eslovaca. E sobre a religião, Newman disse certo dia que “era mais do que um desafio” e não era praticante durante a sua vida adulta. Mas se Newman é um exemplo único – um ator de Hollywood que foi piloto de automóveis – há outros exemplos interessantes de pilotos de origem judaica que tiveram carreiras interessantes. Ainda nos Estados Unidos, os exemplos de Mauri Rose e Eddie Sachs são interessantes, e na Formula 1, tivemos no passado os casos de Jody Scheckter, Peter Revson e Francois Cevért. E há quem jure que Bernie Ecclestone tem origens judaicas, mas isso não é verdadeiro… Comecemos pela Formula 1. Em 1973, Scheckter, Cevért e Revson correram juntos no pelotão da Formula 1, o que é bem interessante. O piloto americano era filho de Martin Revson e sobrinho de Charles Revson, fundadores da Revlon, uma das marcas de cosméticos mais famosos do mundo. Contudo, nunca esteve muito interessado nos negócios da família, preferindo o automobilismo. Fez amizade com Teddy Mayer em Cornell, no final dos anos 50, e começou a correr, primeiro na SCCA americana, e em 1963, estava na Europa a competir na Formula 1, com o seu grupo, que incluía o irmão de Teddy, Timmy, e Tyler Alexander. Depois, juntaram-se com Bruce McLaren, para ajudar a fazer a equipa com o mesmo nome. Pouco depois de regressar aos Estados Unidos, correu com eles na Can-Am e na USAC, embora apenas a partir de 1970, com a morte de Bruce McLaren e a retirada de Dan Gurney é que a carreira de Revson teve um arranque decisivo. Nesse mesmo ano de 1970, foi “Rookie do Ano” nas 500 milhas de Indianápolis, e no ano seguinte, fez a pole-position e terminou na segunda posição na mesma prova. E nesse mesmo ano de 1971, venceu o campeonato da Can-Am, num McLaren, e voltou à Formula 1, num Tyrrell. Contudo, foi o suficiente para que no ano seguinte, ir para a McLaren, correndo ao mesmo tempo em três modalidades: Formula 1, Can-Am e USAC. Nas duas temporadas seguintes, Revson conseguiu alguns feitos interessantes, mas a sua grande temporada foi a de 1973, onde venceu duas corridas, em Silverstone e Mosport, acabando no quinto lugar do campeonato, a mesma classificação que tinha conseguido no ano anterior. Ainda conseguiu oito pódios e uma pole-position, mas a sua carreira teve um fim abrupto a 22 de março de 1974, em Kyalami, quando testava o seu Shadow de Formula 1, aos 35 anos de idade. E não era a primeira tragédia na família: o seu irmão Douglas Revson tinha morrido sete anos antes, numa prova de Formula 3 na Dinamarca. Jody Scheckter, Peter Revson e François Cevert: todos pilotos de origem judaica que chegaram à Fórmula 1. A carreira de Cevért é conhecida, mas as suas origens… nem tanto. Francois é um dos seis filhos de Charles Goldenberg, que tinha emigrado para Paris quando era criança pelos seus pais, fugidos dos “pogroms” russos. Um joalheiro bem-sucedido, casou-se Hugette Cevért, mas na II Guerra Mundial juntou-se à Resistência, e todos os seus filhos foram registados com o apelido da mãe, para que as autoridades alemãs não suspeitassem de nada. Francois foi o segundo a nascer, a 23 de fevereiro de 1944, poucos meses antes da libertação de Paris pelos Aliados, e uma das suas irmãs, Jacqueline, acabou por se casar com Jean-Pierre Beltoise. Charles, o seu irmão mais novo, também se meteu no automobilismo, fazendo Formula 3 e Turismos em meados da década de 70, após a morte do seu irmão. Quanto a Scheckter, não foi o único piloto que esteve na Formula 1. O seu irmão Ian, três anos mais velho do que ele, foi um dos grandes pilotos sul-africanos nos anos 70, e se não teve grande carreira na Formula 1, foi campeão sul-africano por seis vezes, quer na Formula 1 (é verdade, houve um campeonato sul-africano de Formula 1!), quer na Formula 2. E ambos tiveram filhos, que também correram no automobilismo. Jaki, filho de Ian, foi bem-sucedido na sua África do Sul natal, enquanto que Thomas Scheckter deu nas vistas na IndyCar no inicio da década passada, correndo até 2010. E é na América, a terra que acolheu emigrantes de todas as raças e credos, que temos alguns judeus bem-sucedidos no automobilismo. A figura de Mauri Rose é pouco conhecida nos dias de hoje, mas no seu tempo, este piloto foi um dos melhores. Nascido a 26 de maio de 1906, em Columbus, no Ohio, Rose chegou às 500 Milhas em 1933, e no ano seguinte, terminou na segunda posição. Em 1940, foi terceiro classificado, e no ano seguinte, a bordo de um Maserati, foi o “poleman”, mas desistiu na volta 60, devido a um problema de velas. Contudo, pegou no Wendworth-Offenhauser de Floyd Davis, que era o 17º na altura da corrida, e subiu lugares atrás de lugares para acabar por vencer pela primeira vez. Rose foi o último vencedor antes da entrada da América na II Guerra Mundial, e quando o automobilismo voltou, em 1946, aos 40 anos, ainda era dos melhores do pelotão. Com um Deidt-Offenhauser preparado pelo veterano Lou Moore, Rose venceu as provas de 1947 e 48, tornando-se num dos mais bem sucedidos pilotos de sempre a vencer no “Brickyard”. Ainda conseguiu um terceiro lugar na edição de 1950 – aos 44 anos! – e pouco depois, retirou-se da competição. Mauri Rose e Sddie Sachs foram pilotos com grande histórico nos Eestados Unidos e origem judaica. A reforma foi passada entre invenções – criou um dispositivo que fazia com que os amputados pudessem conduzir carros – e ser o condutor do Pace Car a partir de 1967, Rose morreu em 1981, aos 74 anos, sendo um dos poucos que sobreviveu aos perigos do automobilismo. Algo do qual Eddie Sachs não teve tanta sorte. Segundo classificado na edição de 1961, costumava dizer que “caso não vences, seja espectacular”, conseguiu pole-positions nas edições de 1960 e 61. Nesse último ano, na prova ganha por A.J. Foyt, Sachs disse que abdicou da vitória para ter pneus mais frescos. Disse depois, justificando a decisão, que “preferia ser segundo a estar morto”. Mas em 1964, Sachs foi a vitima de um dos acidentes mais horríveis da história das 500 Milhas, quando se envolveu na carambola provocada pelo carro de Dave McDonald. Sachs atingiu em cheio o carro dele quando procurava por uma brecha, causando nova explosão. Sachs teve morte imediata, McDonald sobreviveu por duas horas até sucumbir aos seus ferimentos nos pulmões, devido à inalação de fumo. O acidente na primeira volta nas 500 Milhas de Indoanápolis foi dos mais mediáticos na história da competição, e o impacto foi enorme, pois levou a que a gasolina fosse proibida nos carros da IndyCar (o substituto foi o metanol) e os depósitos de combustível começaram a ser reforçados e deslocados para a parte central dos carros para evitarem ruturas em caso de fortes impactos. Lance Stroll e seu pai. Neto e filho de judeus chega em 2017 na Fórmula 1. Contudo, há que dizer sobre estas origens religiosas que tal coisa não é apontada no automobilismo. Esta modalidade, bem como o desporto em geral, sempre foi acolhedora em termos de origens politicas, religiosas ou de raça. Aliás, noutras modalidades, o acolhimento de pessoas ditas “diferentes” teve menos resistência do que noutras atividades, porque acima de tudo, o que sempre contou foi o desempenho da pessoa. Sobre isso, Max Mosley contou certo dia que o automobilismo foi a primeira modalidade que o acolheu como sendo um igual, que nunca o discriminou pelas suas origens. E falamos de alguém cujo pai, Oswald Mosley, era o líder do partido fascista na Grã-Bretanha… Em suma, tudo isto não passa de uma mera curiosidade. Mas é nesta curiosidade que se encontram exemplos fascinantes no nosso desporto. Saudações D’além Mar, Paulo Alexandre Teixeira
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