Desde o final do ano passado, o falatório e as abobrinhas sobre o que fazer com os autódromos a partir deste ano por conta do aumento da velocidade dos carros começou ainda no meio do ano, como o “conselho de anciões”, chefiado pelo ‘Bom Velhinho’ e comporto por seus velhos parceiros dos tempos de Brabham. Os prognósticos estavam corretos: Kimi Raikkonen, meu ‘pé de cana’ favorito, voou com a Ferrari e fez o melhor tempo, 1min18,634s, usando pneus ultramacios. No ano passado, Kimi Raikkonen foi o mais rápido, também com pneus ultramacios, marcou 1min22,765s. Uma diferença de pouco mais de 4 segundos, só um pouco abaixo do projetado pelos especialistas, que chegaram a afirmar que os carros seriam até 5 segundos mais rápidos. Com o aumento da velocidade, especialmente em curvas, com os carros tendo mais downforce, pneus mais largos e sendo 20 centímetros mais largos, somado ao aumento da potência dos motores híbridos, a discussão sobre como fazer para ampliar áreas de escape e encontrar formas de absorver melhor os impactos em caso de batidas em barreiras e guard rails foi logo colocando em pé os poucos cabelos que tenho na cabeça. Já imaginaram o nível da paranoia? Em algumas pistas as áreas de escape são enormes (mais do que algumas já são). Em outras, nem tanto e nessas “nem tanto”, como é que vai ficar? Como puxaram o tapete do Bom Velhinho, talvez as coisas não sejam tão extremas e com isso Interlagos não precise ampliar por mais reformas... sim, porque se é pra dizer que algum autódromo precisa de reforma, Interlagos está sempre encabeçando a lista. Mas e em alguns autódromos não tem como fazer grandes mudanças nas áreas de escape, como Suzuka e Montreal? Daí que eu resolvi fazer uma pesquisa sobre como eram e como ficaram alguns aspectos de segurança desde o final dos anos 70 até os dias de hoje. Um intervalo de 50 anos. As diferenças de como eram as proteções para os pilotos caso eles saíssem da pista eram em alguns casos ridículas... e antes era ainda pior! Alberto Ascari, bicampeão mundial de Fórmula 1 em 1952/1953 caiu com seu carro no mar no GP de Mônaco de 1955! Não vou chamar aqui os pilotos dos dias de hoje de “Pilotos Nutella”, como uma brincadeira recente que surgiu, mas se levarmos em conta que os carros de hoje são verdadeiros tanques de guerra, construídos em fibra de carbono com uma tecnologia que torna os cockpits praticamente indestrutíveis, será que precisava fazer algumas das coisas que vemos em alguns autódromos atuais? Vamos começar pelos Guard Rails. No final dos anos 60, os circuitos que tinham este moderno sistema de segurança, objetivamente trabalhando para receber impactos nas curvas, delimitar áreas de escape e vieram das estradas para os circuitos como uma forma de proteger os pilotos e o público que assistia as corridas. Os primeiros guard rails instalados nos circuitos tinham apenas uma lâmina de metal, em ciecuitos e pistas de rua. Em 1968, como podemos ver em diferentes tipos de circuitos como o traçado urbano de Mônaco bem como o veloz Spa-Francorchamps (neste caso o original, com seus pouco mais de 14 quilômetros), guard rails com uma lâmina eram colocados em diversos pontos dos circuitos. Contudo, os guard rails de uma lâmina para serem eficientes precisavam estar a uma certa altura do chão e o espaço entre o chão e a lâmina era um risco. Uma colisão frontal podia fazer com que o carro entrasse embaixo da lâmina... e isso aconteceu! Depois de um tempo, em nome da segurança, os circuitos passaram a ter guard rails com duas lâminas. Depois de chegarem a conclusão de que não era uma fatalidade, no início dos anos 70 alguns autódromos já começaram a usar duas lâminas de guard rail, com a primeira bem rente ao chão e a segunda alguns centímetros acima desta parecia que era a solução para o aumento de velocidade dos carros, principalmente em curvas. Mas não era altura suficiente para os carros de turismo, que estavam ficando cada vez mais rápidos. Nos anos 80 começaram a aparecer os guard rails com três lâminas, formando uma muralha de aço de um metro de altura em relação ao piso da área de escape, onde dificilmente um carro conseguiria ultrapassá-la. Só que piloto de corrida é a imagem do diabo e se não conseguiam fazer isso sozinho, tocando rodas ou batendo portas com seus adversários, encontravam jeito de “voar pra depois das lâminas”. Ainda nos anos 80, guard rails ganharam a 3ª lâmina. depois, em várias pistas, vieram as telas de segurança. Foi aí que começaram a instalar as telas de proteção, inicialmente colocadas nos circuitos de rua, como Mônaco, posteriormente foram sendo colocadas em algumas retas onde as arquibancadas eram relativamente próximas da pista. Dentro destas telas são colocados cabos de aço de meia polegada de diâmetro, tensionados, para segurar um carro caso ele decole e bata na tela. Nas pistas onde havia – e em alguns casos onde não havia – área de escape, nos anos 50 e 60, e mesmo antes disso, uma das formas de procurar absorver o impacto de uma batida de um carro que saia da pista e bateria em um barranco, parede ou posteriormente guard rail mais afastado, os organizadores de corridas colocavam fardos de feno para amortecer as batidas. Melhor bater em algo macio! Até o início dos anos 70, ainda se viam fardos de feno, que foram substituídas por telas metálicas nas áreas de escape. No início dos anos 70 os autódromos começaram a ganhar áreas de escape em algumas curvas e uma das formas que os promotores de corrida começaram a usar como meio de reduzir a velocidade dos carros caso eles saíssem da pista foi a instalação de telas a partir de um certo ponto até antes de chegar no guard rail. O risco para quem andava de monoposto era bater de mau jeito e tomar uma ou outra paulada no capacete... as telas eram mantidas em pé por colunas de madeira. No final dos anos 70 e tornando-se comuns nos anos 80 e aumentando exponencialmente nos anos 90, as “caixas de brita” se tornaram o grande elemento de segurança para frear os carros antes que estes atingissem os guard rails. “Em nome da segurança”, estas caixas de brita (na verdade pedrinhas arredondadas) foram se tornando mais comuns e cada vez maiores. Nos fim dos anos 70, área de escape era coisa rara. Depois, algumas áreas surgiram, mas muitas eram gramadas. Bem diferente do que se via nos anos 70 onde, quando muito, as curvas tinham entre os asfalto e o guard rail, espaço suficiente para colocar um carro fora do traçado... e não estou falando dos circuitos de rua, mas dos autódromos com velocidade de média e alta daqueles de separar os homens dos meninos. Mas nem todos os autódromos antigos eram assim. Alguns tinham generosas áreas de escape... gramadas lindamente como um campo de golfe e onde colocar uma roda era como tracionar o carro numa sola de quiabo! No caso das áreas de escape gramadas, quando o carro saia da pista o piloto virava passageiro e gracioso como uma patinadora manca e obesa, dirigia-se sem controle algum de seus movimentos em direção ao guard rail. Com o surgimento das caixas de brita, circuitos que foram se modernizando tinham estas caixas cada vez maiores. A primeira medida para absorção de impactos ante aos guard rails instalados foi algo que propiciasse um “movimento elástico”. Pneus! As primeiras barreiras de pneus, substituindo os fardos de feno, surgiram no final dos anos 70. Primeiro empilhados, depois trançados, vieram os pneus percintados, amarrados uns aos outros nos anos 80, até surgirem os pneus aparafusados uns aos outros, formando enormes blocos de borracha, com barreiras duplas, triplas e até quádruplas, dependendo da curva. As barreiras de pneus surgiram nos anos 80 e foram sendo aperfeiçoadas, sendo muito usadas até hoje. Nos últimos anos, um novo elemento foi criado e instalado em diversos autódromos. Os elementos modulares de espuma passaram a fazer parte das barreiras de contenção de impacto, antecedendo os guard rails como forma mais eficiente de absorção do que os pneus, além de ter a vantagem de poder serem remontadas mais rapidamente. Em "circuitos nutella" como o da Russia e mais ainda o de Abu Dhabi, temos barreiras especiais e escapes asfaltados. Mas o pior efeito da “modernização” dos autódromos foi o asfaltamento das áreas de escape. As caixas de brita proporcionavam a segurança para redução de velocidade e imobilização dos pilotos que saíam da pista e evitavam boa parte das colisões. Mas o carro atolado na caixa de brita tirava o competidor da corrida. Assim, resolveram dar uma “segunda chance” aos que perdessem o traçado. Com as áreas de escape asfaltadas, o erro implicaria em perda de tempo e não em fim de corrida. Autódromos como o de Abu Dhabi tem todas as áreas de escape asfaltadas... o que é simplesmente ridículo! Alguns anos atrás, na seção Setor G, nosso trabalho de pesquisa mostrou a insatisfação dos pilotos com o circuito de Nivelles, na Bélgica, palco do GP de 1972. Praticamente todos criticaram o fato das vastas áreas de escape permitirem erros aos pilotos e que isso deixava a pista pouco desafiadora. O tempo passa... as coisas mudam... e os pilotos também! Vamos ver o que os Nutella – de dentro e de fora dos cockpit – vão falar sobre os carros atuais, as pistas onde correrão e se vão exigir mudanças “em nome da segurança”. Abraços, Mauricio Paiva
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