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Grã-Bretanha 1969: O maior duelo que provavelmente você não conhece PDF Print E-mail
Written by Administrator   
Monday, 22 July 2019 20:59

Há meio século, as pessoas estavam com os olhos postos na maior aventura da Humanidade, com a missão do Apolo 11, levando os astronautas Neil Armstrong, Edwin "Buzz" Aldrin e Nichael Collins. Iam para a Lua, a bordo da mais poderosa máquina jamais lançada ao espaço, o Saturno V e essa aventura, que acontecia 65 anos depois dos irmãos Wright terem lançado o seu aeroplano nas dunas da praia de Kitty Hawk, na Carolina do Norte, era um feito incrível que colocava todos a olhar para as estrelas e o nosso satélite natural.

 

Contudo, durante esse período, no circuito de Silverstone, tínhamos assistido a um dos melhores duelos na história do automobilismo, com duas das melhores máquinas de então e dois dos melhores pilotos do seu tempo. Hoje em dia, poucos se lembram disso, e no tempo em que recordamos a chegada dos humanos à Lua, falo sobre Jackie Stewart e Jochen Rindt, as suas máquinas e uma tecnologia que se andava a experimentar e resultou num falhanço: as quatro rodas motrizes.

 

UM DUELO DE AMIGOS

 

A temporada de 1969 era a primeira onde as asas eram reis. Contudo, em Barcelona, palco do GP de Espanha, a segunda corrida do ano, as asas instaladas nos Lotus de Graham Hill e Jochen Rindt tinham-se quebrado a alta velocidade e causou ferimentos no austríaco. Este, enquanto recuperava dos ferimentos, atacou Colin Chapman, seu patrão na Lotus, numa carta que foi publicada nas páginas da Autosport britânica. Pouco depois, no fim de semana do GP do Mónaco, a CSI, Comission Sportive Internationale, a antecessora da FIA, decidiu abolir os ailerons e metro de altura, obrigando as equipas a retirá-los naquela corrida. Pouco depois, regulamentou-os para que ficassem fixos ao carro.

 

 Meio século atrás, cenas como essa eram comuns de se ver. Nos dias de hoje, rivais conversando assim nos boxes é improvável.

 

Com isso, destacaran-se duas máquinas: o Lotus 49, que tinha sido estreado dois anos antes, em Zandvoort, com Jim Clark e Graham Hill ao volante, e em 1969, tinha Rindt no lugar do piloto escocês, morto no ano anterior. Do outro lado, estava o Matra MS80, uma máquina francesa com motor Cosworth V8, gerido por Ken Tyrrell e dirigido por outro escocês, Jackie Stewart. Ele começara bem a temporada, e quando chegou a Silverstone, tinha uma vantagem enorme, tendo vencido quatro das cinco provas do campeonato, estando confortávelmente a caminho do seu primeiro título mundial.

 

Em contraste, Rindt, que estava a adaptar-se ao Lotus, não tinha conseguido qualquer ponto, contra os 36 do escocês. Mas sempre que estava ao volante, mostrava que tinha tanto estofo de vencedor como Stewart... desde que terminasse as corridas. E no meio disto tudo, a Formula 1 andava a experimentar uma tecnologia, numa era onde todos tinham os olhos postos num futuro de otimismo e prosperidade.

 

QUATRO RODAS MOTRIZES

 

Recuemos uma temporada. Em 1968, o Mundial de Formula 1 apanhou muitas corridas debaixo de chuva. Holanda, França, Grã-Bretanha e sobretudo Alemanha, onde Stewart tinha triunfado no "Inferno Verde" debaixo de chuva copiosa, fizeram com que as equipas pensassem na ideia da tração total, para poderem ganhar vantagem em situações desfavoráveis. Assim sendo, a tecnologia das quatro rodas motrizes, onde todas as rodas ficariam ligadas por um só eixo de transmissão, para ter melhor tração em dias de chuva.

 

 

A tecnologia já existia e já tinha sido experimentada na Formula 1. Em 1961, o Ferguson P99 com motor à frente tinha já andado em algumas provas extra-campeonato com Stirling Moss ao volante, tendo até vencido o International Gold Cup, em Oulton Park. Moss considerou que tinha sido um dos melhores carros que já tinha guiado.

 

Oito anos depois, o pelotão da Formula 1 decidiu voltar a essa tecnologia, pois pensava que quatro rodas seriam melhores que duas. Para além disso, alguns desses carros estavam a ser bem-sucedidos no campeonato britânico de montanha - os "hill climbs" - e projetos como o Lotus 63, o Matra MS84 e o McLaren M9A tinham sido construídos para saber da sua viabilidade. E curiosamente, os três chassis iriam estar presentes no GP britânico. John Miles, no carro da Lotus, Derek Bell no da McLaren, e Jean-Pierre Beltoise, que não era para guiá-lo, mas depois de um acidente na qualificação, que destruiu o seu chassis MS80 não teve outro remédio senão usá-lo.

 

 

Contudo, o que eles já sabiam era que esses carros eram difíceis de guiar. Bruce McLaren disse, depois de um teste, que guiar aquele carro era o equivalente a "fazer a tua assinatura com alguém a empurrar constantemente o teu ombro". E outros pilotos tinham tido declarações mais diretas. Graham Hill, por exemplo, tinha usado o 63 em Zandvoort, tinha sido quatro segundos mais lento do que no modelo 49 e disse que "era uma armadilha mortal". Para piorar as coisas, nenhuma corrida da temporada de 1969 tinha sido à chuva. E no final do ano, todos iriam largar as quatro rodas motrizes.

 

UMA CORRIDA INESQUECÍVEL

 

Na qualificação, Rindt foi o poleman, com Stewart em segundo e o McLaren de Dennis Hulme em terceiro. Jacky Ickx, que naquela temporada estava na Brabham, era o quarto, seguido pelo Ferrari de Chris Amon. Apenas 17 pilotos estavam inscritos, e os carros de quatro rodas motrizes estavam no fundo da grelha: os quatro últimos postos eram deles.

 

A corrida iria ter 84 voltas, quase 400 quilómetros de extensão, percorridos em cerca de duas horas.

 

 Na nargada, os cordiais oponentes largaram lado a lado para quase 400 Km de disputa feroz no veloz Silverstone.

 

Na partida, Stewart e Rindt começaram o seu duelo à parte. Tanto que no final da primeira volta, já tinham um avanço de três segundos sobre Hulme. Na volta três, o recorde da pista tinha sido batido, e na sétima passagem pela meta, o escocês estava na frente. Mas Rindt não iria render-se facilmente. Na volta 16, quando ambos apanharam o carro de Beltoise para dar uma volta, Rindt aproveitou a ocasião para voltar à frente da prova.

 

Rindt tentava distanciar-se do Matra, mas não conseguia. Ambos andavam na casa do 1.22 minutos, e Stewart não perdia um chance de o apanhar, com ultrapassagens constantes, por vezes mais do que uma por volta. E claro, a multidão adorava ver aqueles pilotos a passaram velozmente diante deles.

 

 Os dois protagonizaram uma disputa frenética, com troca de posições na liderança, mas um maior domínio de Rindt.

 

E foi assim até à volta 58, quando Rindt, de súbito, teve de ir às boxes. A placa que prendia a asa traseira do seu Lotus tinha-se deslocado para a direita e roçava no seu pneu traseiro direito, arriscando-o a rebentar. Quem o avisou tinha sido Stewart, que se colocara de lado e apontou para o problema. O austríaco tinha visto no espelho e quando viu o problema, não teve outro remédio. O duelo tinha terminado, mas a segurança estava em  primeiro lugar. E os amigos também servem para estas ocasiões.

 

Rindt voltou com 34 segundos de atraso, praticamente irrecuperáveis. E para piorar as coisas, quando viu que não tinha combustível para chegar ao fim, teve de reabastecer, e o escocês venceu com uma volta de avanço... sobre todo o pelotão. O resultado pode ter sido justo para o vencedor, mas injusto em relação à distância, porque o que teria acontecido se o austríaco não tivesse tido problemas? No final, Rindt foi quarto, conseguindo os seus três primeiros pontos da temporada. E no local, todos ficaram com ideias de que viram uma grande corrida, mas que ficara a meio por causa dos problemas do piloto da Lotus.

 

 A disputa teve seu ápice frustrado com o problema na asa da Lotus que deu a Stewart a tranquilidade para vencer a prova.

 

Dia e meio depois, todos estavam agarrados às suas televisões para assistirem à aterragem do módulo Eagle no Mar da Tranquilidade e verem saír da cápsula os americanos Neil Armstrong e Edwin "Buzz" Aldrin, os primeiros terráqueos a andar na superfície de outro corpo celeste.

 

Quanto ao campeonato, Stewart caminhou calmamente rumo ao seu título mundial, que o confirmou em Monza depois de uma chegada a quatro com Bruce McLaren, Jean-Pierre Beltoise... e Jochen Rindt. Mas ao piloto da Lotus, o consolo aconteceu em Watkins Glen, quando alcançou a sua primeira vitória na Formula 1, ao subir ao lugar mais alto do pódio no GP dos Estados Unidos. Era a corrida mais rica do campeonato, com um prémio de 50 mil dólares para o vencedor. Com o dinheiro desse prémio, o austríaco comprou uma casa na Suíça, ao lado da de Stewart, nas margens do lago Leman. Mas gozou pouco esse lugar: menos de um ano depois, a 5 de setembro de 1970, ele estava morto.

 

Saudações D’além Mar,

 

Paulo Alexandre Teixeira