A minha coluna deste mês vai ser publicada entre duas etapas do mundial de Fórmula 1 e o calendário deste ano – com ajuda, talvez, das circunstâncias da pandemia – colocou em sequência duas corridas que trazem um enorme anacronismo (tive que procurar o significado dessa palavra difícil para poder usá-la). O traçado de rua de Baku, no Azerbaijão, tem uma reta (ou algo que pode ser chamado assim, com os carros andando com 100% de acelerador) com 2.200 metros de extensão. Um espetáculo para a corrida, onde o uso do vácuo e com a “muleta” da abertura de asa – vulgo DRS – é garantia de ultrapassagem (e em alguns casos de acidentes, como o do Ricardão Perereca GG e do fugitivo da Fundação Casa em 2018). A imagem do Google com o desenho do traçado urbano de Baku mostra claramente a longa reta de mais de 2 km do circuito. Particularmente, não tenho nada contra a reta ou qualquer ponto do traçado urbano de Baku, nem mesmo com aquele “funil” junto do muro do castelo, mais estreito que entrada de boxes. Pelo contrário: um circuito urbano com pontos de ultrapassagem, com largura de pista e uma reta – mesmo que tivesse só a metade do comprimento – já faz dele algo melhor do que a sonolenta corrida espanhola, onde – em condições normais – ninguém passa ninguém. O problema é que, em um circuito de rua, não existe área de escape e a FIA, que impõe regulamentos e mais regulamentos de segurança para a certificar e aprovar os autódromos, habilitando as pistas para receber as categorias (entre elas, claro, a Fórmula 1), no caso de um circuito de rua, as regras – teoricamente – deveriam ser bastante rigorosas... e aí vem o tal do anacronismo. No final desta reta, uma curva de 90 graus para a esquerda com uma área de escape relativamente pequena. A corrida seguinte é em Paul Ricard, na França, aquela pista com aquelas áreas de escape coloridas, capazes de dar vertigens em que tenha algum grau de labirintite (declaração da minha mulher, que sofre com este mal). Se tem uma coisa naquele circuito de diferenciado, essa é a tal da segurança: as áreas de escape são enormes. Para um carro chegar a bater em um muro ou guard rail ele tem que percorrer distâncias e sem nenhuma ação. Uma outra característica de Paul Ricard é a reta do Mistral, que tem este nome por causa do vento Mistral é um vento catabático (da palavra grega katabatikos que significa “descendo colinas”) é o nome técnico de “drainage wind”, um vento que transporta ar de alta densidade de uma elevação descendo a encosta devido à ação da gravidade, que tem a mesma direção da reta (obrigado Google). Palco de grandes corridas nos anos 80, Paul Ricard voltou a ser palco da F1 em 2018, mas com uma proposta diferente. Com 1.800 metros que, nas corridas dos anos 80, sempre foram palco das grandes disputas e ultrapassagens na etapa francesa do campeonato. Depois que o autódromo foi reformado e recebeu estas áreas de escape asfaltadas e coloridas foram feitas algumas outras coisas no traçado e uma delas foi uma série de chicanes como “alternativas”, todas interrompendo o curso normal da “reta-animal”! E o que fez a Fórmula 1 quando voltou a ter o GP da França em 2018? Ao invés de usar a reta do Mistral em toda sua plenitude, adotou uma das chicanes para “quebrar a reta no meio”... e matar a corrida! Eu gostaria de uma explicação minimamente lógica para se usar aquela chicane no meio da reta e não deixar os carros despencarem reta abaixo para decidir a tomada ou não de posição na tomada da curva dos signos, que se segue à reta. No final dos 1,8 km da reta do Mistral, a curva dos signos possui uma enorme área de escape, uma garantia de segurança. Se a alegação para o não uso da reta do Mistral em sua configuração original for “segurança”, isso não pode ser levado a sério por nenhuma pessoa séria. A área de escape da curva dos signos é enorme e o guard rail ainda pode receber essas novas barreiras absorventes usadas em outras pistas. Além disso, no final da reta do circuito urbano de Baku, a “área de escape” é a continuação da avenida, após a curva em 90 graus e que tem três lâminas de guard rail onde, desgovernado, um carro que bater, quebrar alguma peça ou sofrer uma batida, pode ir na direção deste guard rail com zero área de escape. Se a Liberty Media, tão preocupada em incentivar a competitividade, em querer aumentar o número de ultrapassagens e fazer corridas mais atrativas, deveriam levar em consideração o uso da reta do Mistral em seu formato original. Do contrário, veremos em 2021 e nos anos seguintes mais uma corrida com poucas possibilidades de ultrapassagens e, se movidas a gasolina na pista, será movida a café forte nas poltronas e sofás. Olhando o que é a reta do Mistral hoje, e vista a área de escape da curva dos signos, não há nada que justifique a chicane atual. Tem um ditado popular que diz: “Deus escreve certo por linhas tortas”. Como ninguém na FIA ou na Liberty Media ninguém é Deus, escrevam reto por uma linha reta... o público vai agradecer. Abraços, Mauricio Paiva Nota NdG: Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do site Nobres do Grid. |