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Audi x Lancia: A mais interessante temporada que não ouviram falar PDF Print E-mail
Written by Administrator   
Tuesday, 28 June 2022 20:56

Bem sei que aí no Brasil não se liga muito aos ralis, pelo menos está abaixo da Formula 1, da IndyCar e da NASCAR em termos de interesse. Mas neste verão, estão a ser filmados duas peliculas sobe automobilismo em Itália. O primeiro é um projeto que se conhece desde há muito, sobre Enzo Ferrari, realizado por Michael Mann – o mesmo de Miami Vice – com Adam Driver no papel do Commendatore. Mas existe um segundo projeto, de raíz italiana em que fala sobre a temporada de 1983, e um duelo entre duas das construtoras mais importantes de então, a Audi e a Lancia.

 

 

 

E dois estilos de carros bem diferentes: o primeiro, a alemã, que tinha o sistema Quattro, de quatro rodas motrizes e prestes a dominar os ralis mundiais, e a italiana, ainda agarrada nas duas rodas motrizes com o modelo 037, e sabendo das suas limitações, lute pelo título... e triunfa. E como a história é interesssante, toca a filmá-lo neste verão porque em 2023 passam 40 anos sobre esse feito e seria ótimo homeagear boa parte dessa gente, pois ainda estão vivos. Gente como Roland Gumpert, Cesare Fiorio, Markku Alen ou Walter Rohrl.

 

O filme chama-se “2 Win”, no original, será realizado por Stefano Mordini, e é uma produção de origem italiana. Segundo se conta no prospecto do filme que será feito, "será uma história de David vs Golias com sabor italiano onde a imaginação batalhará contra a engenhosa perfeição alemã num duelo até à meta".

 

 

Daniel Bruhl – que fez de Niki Lauda no filme “Rush”, em 2013 – fará o papel de Roland Gumpert, que era o diretor desportivo da Audi em 1983, enquanto Ricardo Scamarcio será Cesare Fiorio, o diretor da Lancia. O alemão Volker Bruch será Walter Rohrl no filme, que apesar de ser alemão, nesse ano era piloto da Lancia, e ainda haverá atores nórdicos para interpretar algum dos pilotos finlandeses que participaram quer na Lancia, quer na Audi.

 

O filme já está em rodagem em Turim e San Remo, e ainda andará em filmagens na Grécia, onde se espera que esteja pronto para um possivel lançamento em 2023, altura em que passam 40 anos sobre todos estes eventos. De uma certa forma, faz lembrar um pouco “Ford vs Ferrari”, um duelo entre marcas que Hollywood fez em 2019 sobre o seu dominio em Le Mans.

 

 

E como sei que pouca gente sabe quem são toda essa gente, achei por bem escrever este mês sobre eles. E também o que foi esta temporada, porque já foi abordada anteriormente num episódio do The Grand Tour, apresentado pelo Jeremy Clarkson.

 

DAVID CONTRA GOLIAS

 

A Audi chegou aos ralis em 1981 com o seu carro, o Quattro, com um sistema diferente de tração, de quatro rodas motrizes, que servia melhor em estrada, em relação ao sistema de duas rodas, que fazia deslizar os carros, dando maior espectacularidade, mas perdiam tempo devido à falta de tração, especialmente nos troços de terra ou de neve. Demoraram dois ralis para provar que estavam certos – triunfaram no Rali da Suécia, com o finlandês Hannu Mikkola ao volante – e para melhorar as coisas, eles tinham como piloto a francesa Michele Mouton. E no final da temporada de 1981, em Sanremo, ela entrava na história como a primeira mulher a ganhar um rali do WRC. E em 1982, triunfou em mais três provas, todas bem complicadas: os ralis de Portugal, Acropole e... Brasil. E no campeonato, terminou na segunda posição, apenas atrás do Opel Manta 400 guiado pelo alemão Walter Rohrl. Com o “numero 1” consigo, ele transferiu-se para a Lancia, indo guiar o 037, modelo lançado no ano anterior, ainda com as duas rodas motrizes.

 

O projeto do Quattro veio da cabeça de Roland Gumpert, que então com 38 anos em 1983, tinha desenvolvido o sistema a partir do Volkswagen Iltis, um todo o terreno destinado para o exército alemão que depois seguiu para outras marcas – o Mercedes G-Wagen é um descendente desse sistema – e que foi montado num Audi 100 para exaustios testes numa pedreira na Alemanha. O projeto era desconhecido para a diretoria de Inglostadt, a sede da Audi, até que foi apresentado, em finais de 1978. Demonstrado sem falhas, foi aprovado, e ao mesmo tempo que o sueco Freddy Kotulinsky triunfava no Dakar de 1980, na sua segunda edição, o sistema era desenvolvido e montado em carros construidos de raíz, o Quattro, no sentido de se inscreverem no Mundial de ralis de 1981. A sua primeira aparição aconteceu no final de 1980 no Algarve, sul de Portugal, como “carro zero” – apenas para abrir a estrada, não competiu – e o sistema cumpriu sem falhas. Nessa temporada de 1981, inscreveu Mouton, Mikkola e os suecos Bjorn Waldegaard e Stig Blomqvist. Mas no final dessa temporada, quem levou a melhor foi um carro de duas rodas motrizes: o Ford Escort 1800 de Ari Vatanen.

 

 

Mas o Quattro deu certo, pois alcançou a vitória no campeonato de construtores em 1982, graças ao segundo lugar de Mouton, o terceiro posto de Mikkola e o quarto de Blomqvist. E para 1983, iria manter esses três pilotos, acrscentando o finlandês Lasse Lampi. Do lado italiano, a Rohrl, o campeão, tinham o finlandês Markku Alen, e teriam um rol de pilotos que apareceriam pontualmente, com o destaque para o italiano Attilio Bettega. Havia outras marcas nesse campeonato, como a Opel, a Toyota, a Nissan, a Renault, mas estes dois eram os que iriam andar em todos os ralis de um campeonato que começava em Janeiro, em Monte Carlo, e acabava em novembro, nas enlameadas estradas do centro de Inglaterra, o RAC, Royal Autombile Club.   

 

ENTRADA DE LEÃO

 

Tudo começava nas estradas alpinas à volta de Monte Carlo, em pleno inverno, com a Lancia a inscrever Alen e Rohrl, enquanto a Audi tinha Mikkola, Mouton e Blomqvist. Foi um duelo intenso, mas no final, os Lancia levaram a melhor, com Rohrl e Alen a ficarem com os dois primeiros lugares, enquanto Blomqvist e Mikkola foram terceiro e quarto, respectivamente. Contudo, duas semanas depois, os Audi dominavam as estradas suecas, monopolizando o pódio, mas como a prova não contava para o Mundial de Construtores, a Lancia decidiu ausentar-se.

 

 

Ambos os construtores voltaram a se juntar em março, mas estradas portuguesas, para a terceira prova do ano. Todos os principais pilotos lá estavam, e num duelo bem forte, a Audi levou a melhor, com uma dobradinha Mikkola-Mouton, com Rohrl a ser o terceiro, a mais de dois minutos do vencedor. Lasse Lampi foi o quarto.

 

Para o dificil rali Safari, a Lancia decidiu ausentar-se de novo, sabendo que os seus carros eram inferiores aos Audi, que lá foram em força. Mas quem triunfou não foram eles, mas sim o Opel Ascona 400 guiado por Ari Vatanen, que levou a melhor sobre os Audi de Mikkola e Mouton. Logo, o duelo entre eles foi adiado para maio, e as mais de dez mil curvas da Volta à Córsega, a segunda prova de alcatrão do Mundial. E ali, a Lancia quase estava em casa e dominou: uma tripla, com Alen na frente de Rohrl, e o italiano Adriatico Vudaferi a ser o terceiro, no 037 da Jolly Club, a equipa secundária da Lancia.

 

E para melhorar as coisas, no Rali Acrópole, os Lancia triunfaram numa prova que tinha tudo para a Audi ganhar. E a ordem foi trocada: desta vez, Rohrl foi o primeiro, na frente de Alen, enquanto Blomqvist foi o terceiro, na estreia do Quattro S2, a evolução do Quattro inicial.

 

 

Depois, foram para o outro lado do mundo, na Nova Zelândia, e sem os Audi, os Lancia dominaram: nova vitória de Rohrl, na frente do Nissan 240RS do finlandês Timo Salonen e do Lancia oficial guiado por Bettega. Lancia e Audi juntaram-se e cotinuaram o duelo, mas ali, os alemães dominaram, com Mikkola como vencedor, na frente de Blomqvist e Mouton. Markku Alen foi o Lancia sobrevivente, apenas quinto.

 

SANREMO DECIDE TUDO

 

Chegados à Europa, estávamos no final de agosto e era a altura do Rali da Finlândia. As duas marcas estavam armadas até aos dentes, e claro, queriam ganhar. No final, foram os Audi a levarem a melhor, com uma dobradinha: Mikkola, o local, levou a melhor sobre Blomqvist, enquanto Alen foi o terceiro e o melhor dos Lancia, bem na frente de outro, guiado pelo local Pentti Airikkala.

 

No campeonato, Mikkola tinha 105 pontos, contra os 87 pontos de Rohrl, logo, era a Audi que liderava. Mas era a Lancia que levava a melhor, graças ao complicado sistema de pontuação existente nesse ano: o vencedor tinha 18 pontos, enquanto o segundo tinha 16, o terceiro 14, o quarto 12, o quinto dez e por aí adiante, modificando em termos de grupo, do qual descontavam um ponto. E não pontuavam em todas as provas: dois dos ralis daquele ano não contavam para o campeonato, Suécia e Costa do Marfim, outro rali muito duro em África, e dos dez ralis que contavam, eram contabilizados os sete melhores resultados.

 

 

Logo, quando chegaram a Sanremo, todos sabiam que só faltariam dois ralis para o final, nos Construtores, e teriam de descartar um resultado. Se triunfassem ali, eles poderiam deitar fora os dez pontos da Argentina, o seu pior resultado até então.

 

O rali italiano iria acontecer entre os dias 2 e 8 de outubro desse ano, em 58 especiais de classificação – nesse tempo, os ralis eram bem mais extensos e duravam mais tempo que agora – e seria misto, ou sejam a primeira parte seria em asfalto e a segunda em terra. Ali, jogando em casa, os italianos tinham de triunfar, se queriam o campeonato. E tinham uma extensa lista: para além de Rohrl, Alen e Bettega, tinham também os locais Vundaferi, Fabrizio Tabaton, Massimo Biasion e Andrea Zanussi. Já a Audi tinha Mouton, Mikkola, Blomqvist e o francês Bernard Darniche.

 

A primeira parte era em asfalto, e os Lancia tinham vantagem. Mas os Audi não ficavam atrás, e esperavam que a diferença fosse suficientemente curta para poderem correr à vontade em terra, o seu território, e aguentasse os ataques dos italianos quando voltassem ao asfalto até à meta. Foi o que aconteceu, mas desde cedo, os carros alemães começaram a ter problemas com as suas direções, especialmente Mikkola e Blomqvist. E ao fim de meras sete especiais de classificação, os Lancia monopolizavam a classificação geral, com Rohrl a liderar, 30 segundos na frente de Bettega, enquanto o melhor Audi era o de Mouton, que era... 12º classificada. E havia sete Lancias nos oito primeiros lugares. Ainda antes de lá chegarem à parte da terra, os 037 dominavam. Só tinham de gerir para chegar ao final como vencedores.

 

Quando os carros chegaram à parte da terra, os Audi levaram uma revisão de alto a baixo e trataram de recuperar algum do tempo perdido. E foi o que aconteceu: mesmo com Rohrl a liderar, Mouton era segunda, Blomqvist terceiro e Mikkola quarto, com Bettega e Biasion a atrasarem-se devido a furos. Alen atrasou-se devido a problemas com a caixa de velocidades – trocou, por precaução – e aquilo que a Audi via como vantagem começava a desaparecer quando o carro de Mikkola pegou fogo. Menos um para os Lancia.

 

 

Entretanto, Alen passava para a frente e aproveitava o pó para se distanciar, pois os que vinham atrás dele tinham dificuldades de visão. Blomqvist era segundo, na frente de Rohrl, mas quando os carros chegaram ao asfalto, o objetivo tinha sido cumprido: os Audi não os apanharam, e os Lancia estavam mais à vontade para escaparem deles. Rohrl passou Blomqvist para ser segundo, e os Lancia ficaram com os dois primeiros lugares, e para piorar as coisas, na parte final do rali, o sueco bateu contra uma rocha e os estragos foram suficientes para desistir. Assim, Bettega ficou com o lugar mais baixo do pódio e o melhor Audi foi o de Mouton, num pálido sétimo posto. O objetivo estava alcançado: a Lancia era campeã.

 

As duas provas finais não tiveram muita história. Na Costa do Marfim, o Toyota Celica de Bjorn Waldagard triunfou, na frente do Audi de Hannu Mikkola, e no RAC, Stig Blomqvist foi o melhor, na frente de Mikkola e do Opel Manta do escocês Jimmy McRae, (o pai de Colin e Alistair). O campeonato de pilotos era para Mikkola, mas o de Construtores pertencia à Lancia. E iria ser a última vez que um carro de duas rodas motrizes iria ganhar um Mundial de ralis, pois a seguir entrariam máquinas ainda mais poderosas nas classificativas de um Grupo B que seria ainda mais poderosos à medida que os anos passaram, elevando o limite até rebentarem, três anos depois.

 

O RESTO DA HISTÓRIA

 

O 037 ainda rolou até 1986 nas classificativas do Mundial, substiutido pelo Delta S4, provavelmente o carro mais poderoso dos ralis, pois tinha um turbocompressor e um supercompressor, conseguindo mais de 500 cavalos num peso próximo dos 600 quilos. A Audi venceu o campeonato de 1984, quer em termos de construtores, quer em termos de pilotos, com Stig Blomqvist ao volante. Mas a entrada em cena da Peugeot, ainda em 1984 com o 205 Turbo16, baralhou as coisas, com gente como Ari Vatanen e Timo Salonen e um jovem Juha Kankkunen a lutarem pela vitória, deixaram a Audi sem capacidade para voltarem aos triunfos. Os alunos tinham batido o professor e retiraram-se de vez em 1987, no inicio dos Grupo A.

 

 

Roland Gumpert ficou na Audi até ao final do século, passando do lado desportivo para o comercial, sendo o diretor da marca na China. Saiu de cena em 1999 e regressou à Alemanha para montar a sua própria marca de Supercarros, a Gumpert, com a sua Apollo. Saiu dela em 2013, quando entrou em insolvência, e resolveu construir outra marca, com a ajuda da construtora chinesa Aiways. Em 2023, terá 78 anos.

 

Já Cesare Fiorio manteve-se na Lancia mesmo depois do trágico fim do Grupo B, em 1986. Com o Delta S4 a ser substituido pelo Delta 4WD, e depois pelo Integrale, dominou os ralis até 1992. Fiorio, com o sucesso da Lancia, passou para a Ferrari em 1989, tentando replicar o mesmo sucesso. Foi despedido em 1991, mas continuou na Formula 1, estando na Ligier, Prost, Minardi e Forti, até ao final do século. Continuou como comentador na RAI e agora, aos 82 anos, goza a reforma na sua quinta na zona de Brindisi. O seu filho Alex Fiorio foi piloto de ralis no final dos anos 80 e inicio dos anos 90 pela... Lancia.

 

Walter Rohrl continuou com a sua carreira bem eclética até ao inicio dos anos 90. Chegou a andar na Endurance – uma vitória na classe nas 24 horas de Le Mans de 1981, pela Porsche – e venceu no Pikes Peak em 1987 num Audi Quattro, bantendo o recorde da subida até ao topo da montanha. Aos 75 anos, é um dos embaixadores da Porsche e, claro, uma lenda dos ralis. 

 

 

Hannu Mikkola teve também uma carreira longa nos ralis. Já tinha ganho o Londres-México em 1970, num Ford Escort, e correu pela Audi até 1987. Depois, esteve com a Mazda e Subaru até 1993, quando já tinha 50 anos, a partir dali, gozou uma reforma ativa, participando em ralis históricos. Morreu a 25 de fevereiro de 2021, aos 78 anos, na sua Finlandia natal, mas não sem antes entrar no Rally Hall of Fame em 2011, ao lado de... Rohrl.     

 

Saudações D’além Mar,

 

Paulo Alexandre Teixeira

 

 

Nota NdG: Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do site Nobres do Grid.

 


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Last Updated ( Tuesday, 28 June 2022 21:51 )