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Céus negros sobre Hockenheim PDF Print E-mail
Written by Administrator   
Monday, 27 March 2023 18:51

O automobilismo sempre foi um desporto perigoso, e em 1968 em particular, as possibilidades de um piloto morrer eram enormes. Ao contrário do que acontece agora onde correm em vinte pistas, em regime de exclusividade, naquela temporada os pilotos disputavam uma variedade de corridas, numa variedade de máquinas, até 40 vezes por ano. E um erro ou uma quebra mecânica poderia muitas vezes significar a “morte do artista”. Literalmente.

 

Contudo, a 7 de abril daquele ano, apesar de todos esses avisos, quando se soube do acidente mortal de Jim Clark, o mundo ficou em choque. O bi-campeão mundial, piloto da Lotus, e um dos favoritos ao título, sofria um acidente mortal numa corrida de Formula 2 onde muitos afirmavam que não deveria estar ali.

 

Esta é a história daqueles fins de semana que mudou o automobilismo para sempre.

 

TEMPOS DE MUDANÇA

 

Desde 1966 que a Formula 1 vivia com um novo tipo de regulamento técnico. Nesse ano, a Formula 1 tinha adotado os motores de três litros, e na temporada seguinte, entrou em ação o motor Ford Cosworth DFV V8, uma encomenda de Colin Chapman, patrão da Lotus, e de Walter Hayes, patrão da Ford Europa, à preparadora Cosworth. Nessa temporada, o motor, que tinha se estreado no GP dos Países Baixos, com o triunfo de Jim Clark, tinha sido o melhor motor do campeonato, e os seus preços eram bem mais baratos do que os potentes motores V12 que tinham a concorrência.

 

 

Contudo, no inicio de 1968, havia duas novas revoluções. A primeira tinha sido nos regulamentos, quando a Comission Sportive International (CSI), antecessora da FIA, decidiu abolir o regulamento que obrigava as equipas a reger-se pelas cores nacionais de cada país. Isso deu a Colin Chapman a oportunidade de arranjar um grande patrocínio, na figura da Gold Leaf, graças a um contrato com a Imperial Tobacco. Um acordo que rendeu mais de cem mil libras para as suas equipas de Formula 1, Formula 2 e Formula 3. E algumas semanas depois, uma segunda revolução começou a ser experimentada na Austrália, durante as Tasman Series, quando se colocou um aerofólio traseiro no Lotus 49 de Jim Clark. Apesar dessas experiências, não foi com ele que o escocês triunfou na Tasman Series.

 

Aliás, Clark, já com 32 anos, era o grande favorito ao título mundial. Tinha trunfado na primeira corrida do ano, em Kyalami, na África do Sul, e tornara-se, depois de 72 Grandes Prémios, no piloto mais triunfador de sempre, com 25 vitórias. Aliás, se contarmos com as últimas corridas de 1967, o escocês tinha alcançado a sua terceira vitória consecutiva. A sua máquina, passados os problemas de juventude, bem como o seu motor, estavam a ficar afinadas e preparavam-se para deixar a concorrência para trás.

 

 

Mas naquele tempo, os pilotos não corriam só na Formula 1. Como já foi dito em cima, andavam em todo o tipo de máquinas, só para ganhar o dinheiro que era dado pelos organizadores – o chamado “starting money”. Muitas vezes, os salários dos pilotos e dos mecânicos eram pagos com as participações os pilotos em muitos tipos de corridas, e ainda por cima, com muitas equipas privadas, sem patrocinadores para as sustentarem, quantos mais participarem, compunham melhor os seus orçamentos.

 

E mesmo uma Lotus, que tinha conseguido um acordo de patrocinio pioneiro, não estava a salvo desse tipo de corridas. E no Europeu de Formula 2 desse ano, eles alinhavam com os mesmos pilotos da sua equipa de Formula 1: Clark e Graham Hill.

 

“DA MANEIRA COMO ESTÁ, NÃO CONTES COMIGO NO PÓDIO”

 

A primeira corrida da temporada foi em Montjuich, em Espanha, no 1º de abril. Não foi uma boa prova para o escocês, que não terminou a corrida, devido a um toque na suspensão do seu carro. A seguir, o motorhome da marca rumou à Alemanha, para aquilo que era chamado de “Deutschland Trophae”. A Lotus estava lá devido a compromissos com a sua marca de pneus, a Firestone, e para os pilotos, era uma oportunidade para passar mais dias fora da Grã-Bretanha, para evitar pagar mais impostos sobre o rendimento, e ambos tinham os dias contado para testes e corridas. Daí que Clark tinha declinado o convite para correr nesse dia em Brands Hatch, numa prova de Endurance, ao volante do novo Ford P68. Iria ser o Brands Hatch BOAC 500, e das poucas ocasiões onde não iria guiar um Lotus.

 

 

As coisas estavam tão calmas que Chapman sequer estava presente na pista alemã. Tinha tirado férias nos Alpes suíços, porque, de uma certa maneira, a equipa funcionava como um relógio. E a corrida era algo menor, comparado com a Formula 1, que só retomaria um mês depois, no circuito de Jarama, em Espanha.

 

A lista de inscritos era bem interessante. Para além de Clark e Hill, estavam os Matra de Jean-Pierre Beltoise e Henri Pescarolo, o Ferrari de Chris Amon, dois Brabham inscritos por um jovem chamado Frank Williams, para Derek Bell e Piers Courage, e uma série de privados, incluindo um futuro construtor, o francês Guy Ligier, e um futuro presidente da FIA, Max Mosley, que corria num Brabham inscrito pela London Racing Team. A corrida seria uma combinação de duas mangas, com 20 voltas cada um, e o vencedor seria encontrado na soma dessas duas mangas.

 

Contudo, nesse fim de semana, Clark estava a ter um momento difícil. O seu Lotus 48 de Formula 2 era um carro pouco equilibrado e ele andou o fim de semana a tentar encontrar a afinação ideal para poder andar entre os da frente. Provavelmente, ainda sofria com o acidente da semana anterior, em Espanha, e as reparações não foram feitas a tempo ou de forma conveniente. Mas para aém disso, existia outro factor importante: estava muito frio, com temperaturas pouco acima dos zero graus, o que, por exemplo, entupia os fluxos de combustível, devido do risco de congelamento.

 

 

Mas apesar dos problemas, que o impediram de colocar o seu carro entre os lugares da frente, Clark tentou animar-se. No sábado à noite, tinha sido convidado a participar num programa de televisão local na companhia de outro piloto, Kurt Aherns, que serviu de intérprete, e conviveram num bar local até perto da meia-noite. A realidade aparecia no dia seguinte, com frio e chuva.

 

CHOQUE E MISTÉRIO

 

Como previsto, os pilotos eram recebidos com o inverno em pleno nas florestas alemãs. Os mecânicos da Lotus, comandados por David “Beaky” Sims, lutavam com problemas de dificil resolução, pelo menos por ali. E clao, Clark tinha conseiência que não iria ser uma corrida facil.

 

Sims contou depois que o tempo nesse dia estava horrível: “Estava muito frio, tão frio que tínhamos problemas para medir o combustível, porque tínhamos componentes a quebrar devido ao estado do tempo, pois congelavam”.

 

Clark, pensando nos prós e contras, sentenciou a Sims: “Da maneira como este carro está, não contes comigo no pódio”. Iriam ser as suas últimas palavras conhecidas.

 

 

Na primeira manga dessa corrida, com vinte voltas, Beltoise, o poleman, saltou para a frente e não mais foi alcançado. Na quarta volta, ocorre o primeiro acidente, quando o local Walter Habberger despistou-se com o seu Lotus 41 na entrada da primeira curva e alguns destroços foram para a pista.

 

Mosley contou anos depois o seu testemunho sobre aquela corrida: “Quando fazíamos a primeira curva, o “spray” era tão grande e tão denso e pensei ‘isto não é boa ideia’. A única maneira de te guiares era pelo topo das árvores, porque não conseguias ver os limites da pista”.

 

Clark tinha ficado para trás, lutando contra o carro, e rodava isolado quando começou a quinta volta da corrida. Doug Nye, jornalista britânico, relata sobre o acidente: “Jim acelerou pelo bosque fora… um solitário comissário de pista ouviu o Lotus aproximar-se, depois dos lideres terem passado, e de repente, a máquina vermelha e dourada começou a ziguezaguear de um lado para o outro, com o piloto lutando com o volante. Depois, saiu da pista, de lado, a uns 225 km/hora, até se partir ao meio contra uma árvore”.
Clark teve morte imediata. Tinha 32 anos.

 

A corrida não foi interrompida, pois os destroços não bloqueavam a pista. Uma ambulância foi para o local do acidente, assinalando a sua passagem, mas os espectadores apenas souberam do que se passou no final da corrida, quando os altifalantes anunciaram, pesarosos, o acidente fatal do escocês, enquanto as bandeiras desciam até meia-haste.

 

 

Do outro lado do canal, espectadores e jornalistas assistiam a uma corrida emocionante de Endurance em Brands Hatch. Os primeiros a saberem da noticia foram os jornalistas que estavam presentes na tribuna de imprensa. E naturalmente, ficaram em choque. Um deles era o português Fernando Santos, que anos depois, relatou o que se passou nesse dia.

 

"Estava eu sentado na primeira fila da sala de imprensa das '500 Milhas BOAC' em Brands Hatch. A grelha era aliciante e a corrida emocionante. Jim Clark deveria correr no novo P68 Ford (…) para o Mundial GT desse ano e para uma vitória em Le Mans. Clark aceitou o convite, já que esse carro era apadrinhado por Walter Hayes, a quem o escocês devia bastante do seu sucesso graças ao motor DFV. (...)

 

(…) As 'BOAC 500' estavam emocionantes. Ao meu lado, um colega puxou o telefone directo para a redação do 'Daily Mail' e eu senti um vazio, um longo silêncio entre o ronco dos V8. Perguntei 'o que se passa?', e meio gaguejado, respondeu-me 'Clark acaba de morrer'. De repente, toda a sala parou. Em estado de choque."

 

Outro que tinha ficado em choque tinha sido Colin Chapman, que acolhera Clark em 1960 e basicamente, era o seu confidente e melhor amigo. Não estava em Hockenheim – foi Graham Hill que recolheu o cadáver de Clark para o Reino Unido e os destroços do Lotus acidentado – e ficou devastado pelo seu súbito desaparecimento, ao ponto de ter considerado a retirada da Formula 1. Afirmando publicamente que “tinha perdido o seu melhor amigo”, pediu a pediu a Peter Jovitt, um perito especializado em acidentes aéreos para determinar as causas do seu despiste fatal. Quase vinte anos depois, em 1986, Jowitt recordou a investigação:

 

 

“Encontrei um corte estranho no pneu traseiro direito, e não vi qualquer destroço que o tivesse provocado. Se o pneu tivesse furado, há um efeito que conheço bem: a alta velocidade, em reta, a força centrífuga segura o pneu de tal forma que o piloto nem nota o furo. Em curva, aumentada a carga do pneu, ele torna-se instável e perde a aderência que o piloto dele espera. O conta-rotações mecânico mostra que Jim tinha continuado a acelerar até ao embate, tentando controlar o carro. O pneu traseiro estava descolado do aro e metade de fora. Havia lama em todo o piso do pneu (…) Em pistas atuais, um acidente como este não causaria mais do que uma batida contra os rails e um regresso a pé para as boxes…”

 

Sobre a razão desse furo, não se sabe bem se foi por defeito do pneumático ou porque Clark passou pelos destroços de outro carro, o de Walter Habbeger, que se tinha despistado na volta anterior, na primeira curva do circuito, imediatamente antes de Clark perder o controle do seu Lotus e sofrer o seu acidente fatal. Chapman ficou convencido até à sua morte, em 1982, que foi essa a causa do acidente mortal de Clark, mas “Beaky” Sims avança outra explicação para o acidente, que tinha a ver com a má carburação do motor naquelas condições.

 

Ele transmitiu isso a Derek Bell, futuro vencedor das 24 Horas de Le Mans, e este respondeu: “Se entendo o que se passou, caso fizesse aquela curva, o motor ‘cortava’ a aquela velocidade e fazia com que o piloto perdesse o controlo do bólide… quem sabe?” Uma teoria que foi corroborada por outro piloto britânico, Chris Irwin, que seguia Clark a cerca de cem metros de distância. “De repente, o carro perdeu o controlo. Julguei logo que tinha sido algo mecânico.”

 

TEMPOS INFERNAIS

 

Independentemente das causas, a perda de Jim Clark foi enorme para a Formula 1. Alguns dias depois, em Duns, a terra natal do piloto, gente como Jackie Stewart, Jack Brabham, Graham Hill, Dan Gurney, entre outros, basicamente a fina flor do automobilismo de então, despedia-se daquele que provavelmente era o melhor da sua geração.

 

O neozelandês Chris Amon disse depois o que muita gente pensava: “Acho que ninguém passou a andar mais devagar depois da morte de Jimmy, mas todos pensávamos que se poderia acontecer com ele, poderia acontecer a qualquer um. Muitos de nós achávamos que éramos inatingíveis, e isso acabou ali…”

 

O que ninguém sabia era que nos três meses seguintes, sempre no dia 7, um piloto do pelotão da Formula 1 morria num acidente de corrida. O primeiro fora Mike Spence, um mês depois de Clark, durante os treinos de qualificação das 500 Milhas de Indianápolis. Spence, piloto da BRM, tinha, irónicamente, substituido Clark, que iria participar na corrida americana a bordo de mais uma das criações revolucionárias de Chapman: o Lotus 56 Turbina, com um bico em cunha, sinal da nascente importância da aerodinâmica do automobilismo.

 

Spence tentava melhorar o seu tempo quando perdeu o controlo do seu carro na Curva 2 e um pneu soltou-se, batendo fatalmente na sua cabeça. Tinha 31 anos.

 

 

A 7 de junho, no fim de semana do GP da Bélgica, o italiano Ludovico Scarfiotti, então piloto da Cooper, não estava presente para participar de vido a compromissos com a Porsche numa subida de montanha em Bertschgarten, na alemanha, a contar para o Europeu de Montanha. Scarfiotti, neto de um dos fundadores da FIAT, corria a bordo de um Porsche 910 Bergspyder oficial, uma versão do 908 modificado para este tipo de provas.

 

Scarfiotti, que se dava muito bem neste tipo de corrida, era bicampeão europeu e um dos favoritos à vitória quando quando perdeu o controlo do seu carro na curva Rossfeldstrasse e embateu fortemente na berma. O Porsche caiu mais de três metros na ribanceira, até parar numa árvore, e o impacto foi tão forte que o carro se dividiu em dois e o piloto foi cuspido do carro, tendo sido encontrado cerca de cinco metros fora dele. Gravemente ferido, foi imediatamente socorrido, mas acabou por morrer no hospital no final desse dia. Tinha 34 anos.

 

A 7 de julho, a Formula 1 corria em Rouen, para o GP de França. Como tinha acontecido em Hockenheim, os pilotos foram recebidos debaixo de chuva, e um os inscritos era o local Jo Schlesser, que com 40 anos, estreava-se na Formula 1 a bordo de um carro da Honda. Contudo, esse bólido, o RA302, era feito de magnésio, em vez do aluminio nesses carros. Apesar de ser mais leve, era mais inflamável, e John Surtees, o piloto principal, recusava pilotá-lo por achar ser uma “armadilha mortal”, dificil de controlar.

 

 

Schlesser não foi longe: partindo de último, bateu na segunda volta e no embate, o carro rompeu o tanque de combustivel, sendo palco de chamas. Apesar de terem conseguido retirar do carro, as suas queimaduras foram tais que acabou por morrer pouco tempo depois.

 

Devastada com o sucedido – Sohiciro Honda, o fundador da marca, estava em Rouen para assistir à corrida – a marca japonesa decidiu retirar-se da Formula 1 no final dessa temporada.

 

Os pilotos começaram a temer um determinado dia do mês, e pensavam quando poderia acabar. E para piorar as coisas, a 7 de agosto, era o dia do GP da Alemanha, em Nurburgring. E o tempo era de tempestade, do qual todos enfrentaram sem hesitar. Mas nesse dia, em vez de mais um acidente fatal, todos assistiram a uma das melhores demonstrações de pilotagem da história do automobilismo.

 

Mas isso fica para outra altura.

 

Saudações D’além Mar,

 

Paulo Alexandre Teixeira

 

 

Nota NdG: Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do site Nobres do Grid. 

 

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Last Updated ( Monday, 27 March 2023 19:51 )