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Entrevista: Felipe Massa PDF Print E-mail
Written by Administrator   
Thursday, 02 May 2024 23:20

É impossível não incluir Felipe Massa entre os maiores pilotos da Fórmula 1 neste quarto se século e seguramente também um dos maiores da história do automobilismo brasileiro. Esse paulistano nascido em 22 de abril de 1981 precisou dar imensas provas de superação para transformar seu sonho de se tornar um piloto profissional e chegar à maior categoria do mundo. Inspirado em casa por seu pai – Titônio Massa, um piloto de sucesso nas categorias de turismo no Brasil – e tendo como ídolo Ayrton Senna (que negou-lhe um autógrafo quando ele ainda corrida de kart), Felipe Massa Foi pra Itália com a cara e a coragem (e pouquíssimo dinheiro), tendo que vencer corridas para bancar as corridas seguintes. Essas e outras histórias o Marido da Anna Raffaela Bassi e o pai de Felipe Bassi Massa muitos conhecem. Na nossa entrevista, vamos falar sobre outras coisas.

 

NdG: Quando você se despediu da Fórmula 1 (a segunda vez), era claro que você ainda tinha um alto nível de pilotagem e poderia ir para qualquer categoria do mundo, como foi para a Fórmula E. Você nunca pensou no WEC? Certamente você estaria no grid até hoje...

 

Eu sempre pensei no Mundial de Endurance, mas seria muito difícil fazer a categoria morando no Brasil

 

Felipe Massa: Eu sempre pensei que o Mundial de Endurance poderia ser uma boa ideia, só que, depois de dois anos correndo na Fórmula E, que tem um calendário menor e menos exigências de extrapista que a Fórmula 1, conversei com a minha família e resolvemos voltar a morar no Brasil. Era o momento de voltar pra casa depois de tantos anos que passei longe daqui. Acho que foram uns 24 anos, sei lá, foi muito tempo, 25 talvez, e disputar o Mundial de Endurance, mesmo com um calendário menor, porque não são só as corridas, também tem o trabalho em volta com treinos, simulador, etc. seria muito difícil fazer a categoria morando no Brasil e fazer isso da forma correta. Como eu queria continuar correndo, decidi focar na Stock Car, cuidando das minhas coisas aqui no Brasil, não sei se vocês sabem, mas temos dois restaurantes e outras coisas de trabalho que não são só voltadas para as corridas e aqui eu tenho mais tempo pra minha família. Então, pra fazer da maneira certa, o caminho era a Stock Car e estou muito feliz com a minha decisão. É muito bonito ver os carros do WEC, ainda mais agora com os Hypercars, mas eu tomei a decisão correta e estou muito feliz aqui. Correr na Stock Car é um grande desafio, o nível é muito alto, a competitividade também, tem também a chance de sentir o calor humano dos brasileiros

 

NdG: Qual foi o maior impacto nesta mudança, retornando para o Brasil?

 

Felipe Massa: Ficou tudo mais fácil. Um campeonato com 12 etapas, hoje a Fórmula 1 corre no mundo todo com 24 corridas que tomam a agenda dos pilotos a semana inteira, aqui é tudo mais perto, mas isso não faz do campeonato menos desafiador. A Stock Car é muito competitiva e mesmo sendo mais tranquilo, piloto nenhum entra numa categoria, numa equipe só pra fazer número e ganhar dinheiro. A gente entra pra ganhar corridas, ganhar títulos e isso é o que empurra a gente.

 

NdG: Depois de toda uma vida nos monopostos, mais de 20 anos, como foi se adaptar a andar em uma categoria de turismo?

 

Não é fácil se adaptar a uma categoria tão diferente e eu tinha um carro torto no início, atrapalhou muito.

 

Felipe Massa: É muito difícil e isso é difícil pra qualquer um. Acho que minha adaptação foi muito mais demorada do que deveria ter sido por um problema que era estar em um carro completamente torto no qual eu andei um ano e meio. Depois que trocamos o carro as coisas mudaram completamente. Independente disso, a adaptação é difícil, os “toques” acontecem, muita coisa acontece durante as corridas, mas tenho certeza que se não fosse esse problema do carro, a minha adaptação teria sido mais rápida.

 

NdG: Quando a gente fala sobre “toques” aqui, pra quem assiste corridas na TV, a gente vai sempre pensar na NASCAR nos Estados Unidos onde o “toque” é quase uma regra das corridas. Nossos “toques” aqui parecem ser mais leves, não?

 

Felipe Massa: A NASCAR tem suas coisas próprias e a maior delas é que a consequência de um “toque” pode ser o muro que vai estar lá te esperando. Aqui na Stock Car um “toque” pode não dar em nada, lá tem acidentes que envolvem vários carros que decorrem de um “toque” mais forte. Além disso, as corridas deles, nos ovais, tem uma velocidade muito maior que as nossas os toques são em uma outra condição.

 

NdG: Aqui no Brasil você correu de kart e depois fez uma temporada de Fórmula Chevrolet antes de ir para a Europa. Lá você correu em pistas que não eram “pistas para Fórmula 1” e agora, de volta ao Brasil, voltou a correr em outros autódromos que não Interlagos. Voltando tanto tempo depois, o que você viu de mudança nos nossos autódromos?

 

Os prefeitos das cidades deveriam ver que o automobilismo gera retorno e investir em ter bons autódromos.

 

Felipe Massa: Tem autódromos que eu corri de Fórmula Chevrolet que não recebem mais corridas como recebia, Guaporé, por exemplo. Curitiba onde eu corri de Stock Car quando voltei, mas que não existe mais, mas falando dos que tenho visto, alguns autódromos estão bem ruins e nisso eu quero deixar uma mensagem para os prefeitos dessas cidades. A gente correu em Tarumã, do Rio Grande do Sul, que é um autódromo maravilhoso, mas necessita de reformas e elas tem que ser feitas por questões de segurança. Cascavel estava muito estragado e fizeram a reforma, fizeram um ótimo trabalho no asfalto. Os prefeitos dessas cidades precisam entender que uma corrida num bom autódromo é um grande evento, que movimenta a economia da cidade, tem turismo, tem ocupação de hotéis, restaurantes. O esporte é a melhor coisa pra isso.

 

NdG: Nós temos na grade de eventos da Stock Car a Fórmula 4 correndo junto e você foi nesta etapa em Interlagos conversar com os pilotos, andou em um dos carros (e andou bem). É uma categoria FIA, com visibilidade na TV. Como você tem acompanhado o desafio deles? Você conversa com eles?

 

Felipe Massa: Eu tenho buscado acompanhar, conversar com eles, nesta última etapa em Interlagos eu tive a chance de andar com eles também. Poder passar um pouco de experiência do que eu vivi, na minha carreira para eles e é importante que eles tenham na cabeça deles o motivo e a vontade de trabalhar e se dedicar mais que os outros porque nada vem de graça. Ninguém chega numa Fórmula 1 sem se dedicar inteiramente e isso eu tento passar para eles e mostrar que eu não tive uma carreira fácil e espero que tenha sido proveitoso o que foi feito nessa última etapa em Interlagos e foi muito legal dar umas voltas com eles na pista.

NdG: A gente conhece a história de dedicação e sacrifícios que você teve pra chegar na Fórmula 1 e que foi muito difícil chegar e se estabelecer. Pra essa geração de brasileiros que está buscando chegar onde você chegou, as coisas estão mais difíceis?

 

Mais difícil que fazer um brasileiro chegar na Fórmula 1 é ele conseguir ficar na categoria por muitos anos.

 

Felipe Massa: Está difícil e para os brasileiros está ainda mais complicado e delicado. Não temos um piloto titular na Fórmula 1 desde 2017, minha última temporada. A minha torcida e a de todos aqui no Brasil, acredito, é grande para que isso aconteça. E não é apenas ele chegar na Fórmula 1, mas ficar na categoria por muitos anos e levantar nossa bandeira em cima do pódio. Uma coisa positiva nesse caminho foi a volta de termos uma categoria de base de monopostos aqui no Brasil e agora temos a Fórmula 4. Ainda tem muito que se fazer, tem muito que evoluir, muito que melhorar. Termos mais pilotos no grid, gente interessada em fazer a categoria evoluir e preparar os pilotos para eles chegarem prontos na Europa. Esse foi o caminho que eu segui e é importante que essa forma de pensar e trabalhar evolua mais no Brasil pra gente oferecer mais condições para os pilotos e acharmos aquele talento que tenha a possibilidade de vencer, ir subindo nas categorias e chegar na Fórmula 1.

 

NdG: A Fórmula 4 no Brasil está na 3ª temporada. Na primeira tínhamos 16 pilotos brasileiros. Na segunda 11. Nessa temos 10. Como é que a gente instiga esses meninos a vir pra Fórmula 4?

 

Felipe Massa: É muito parecido com o que aconteceu quando nós fixemos a Fórmula Futuro aqui no Brasil. No primeiro ano a gente tinha 14, 15, 16 pilotos. No ano seguinte eram 10, 12... falta interesse, não sei. Não sei se o pensamento que vem da escola do kart tem sido negativo, se falam mal da categoria de base aqui, eu acredito que haja alguma coisa que faz com que as pessoas não tenham interesse em vir pra Fórmula 4 porque é uma categoria mais barata do que a mesma categoria lá fora e você tem condições de chegar mais preparado lá fora. Esse é o ponto principal e precisava ser visto pelos pais dos pilotos, pois são eles quem decidem o direcionamento de carreira dos seus filhos, pilotos, quando eles ainda estão no kart.

 

NdG: Já olhando para o Felipe empresário, não estaria faltando, talvez, mostrar a nossa Fórmula 4 Brasil para mais pilotos estrangeiros e acirrar a concorrência, desafiando os pilotos brasileiros? As categorias na Europa tem gente do mundo todo e a nossa é mais barata com o suporte da VICAR...

 

Precisamos ter uma categoria de base de monopostos com um nível alto, que prepare nossos pilotos.

 

Felipe Massa: Este ano já temos um piloto argentino na categoria e um “ítalo-brasileiro”. O importante é ter uma categoria com um nível alto, mesmo que seja com pilotos de fora. Isso vai forçar os pilotos daqui a evoluir e entender que precisarão elevar seus níveis de pilotagem. Acho que isso seria positivo.

 

NdG: Olhando as coisas de fora, como vemos, já vimos muitas coisas no meio da Fórmula 1 que parecem ter uma influência, uma pressão, por parte da imprensa lá na Europa. Em 2008 a imprensa espanhola fazia uma campanha aberta para que o Fernando Alonso fosse para a Ferrari. Esse tipo de coisa tem efeito prático? A gente conseguiria, com pressão, fazer um piloto brasileiro virar titular em uma equipe?

 

Felipe Massa: Um brasileiro não vai conseguir entrar por campanha da imprensa, seja ela qual for. Para ele conseguir ser titular em uma equipe vai ser pelo que ele mostrar na pista, dentro da equipe, com o trabalho dele. Eu não entrei na Fórmula 1 porque a imprensa fez força para eu chegar lá. Eu entrei pelo meu esforço e trabalho, tive a felicidade de encontrar pessoas interessadas em mim pelo que eu apresentava. Agora, eu acredito, eu sou assim, nas coisas do nosso país, em ajudar o brasileiro. Se houver uma campanha, uma força neste sentido, é sempre uma ajuda a mais. Mas tem que ser pelos meios certos. Não adianta você apostar em algo que impossível de acontecer. Um apoio, quem puder dar, deveria fazê-lo.

 

NdG: Falando sobre sua história no kart, ela tem duas partes: a na pista, antes de ir para a Europa e a como dirigente, chegando a presidir a Comissão Mundial de Kart da FIA. Como foi este desafio de ser um “cartola”, um dirigente?

 

Felipe Massa: Na verdade eu aceitei o convite e fiz isso como uma tentativa de devolver alguma coisa para o kart, onde corri muitos anos. O trabalho como “cartola” na FIA foi puramente de dedicação, sem nenhum ganho financeiro. Não tem salário. É só um compromisso de dedicar-se a fazer algo pelo esporte e eu coloquei na minha cabeça de que tudo o que eu passei de dificuldades e desafios para chegar onde cheguei e consegui conquistar era importante devolver um pouco para o esporte, para as pessoas e principalmente para as crianças que sentam em um kart sonhando em chegar à Fórmula 1. Assim eu me dediquei com vontade para tentar passar essa experiência, buscando o que fosse correto para fazer coisas positivas e conseguimos fazer muita coisa, mudanças, desenvolvimento, mudando mentalidades que estavam engessadas em modelos do passado. Foi um período importante na minha vida, hoje não estou mais lá, coisas mudaram na FIA, mudou o presidente, assim eu fui seguir meu caminho, mas fico feliz em ter tido a chance de estar onde estive e ter passado algo de bom para a Comissão.

 

NdG: Neste período em que você presidiu a CIK-FIA você conseguiu uma coisa que foi muito celebrada por todos nós, que foi a indicação, a nomeação do Campeonato Mundial de Kart para acontecer aqui no Brasil, em Itu-SP. Infelizmente o campeonato não aconteceu aqui, sendo disputado na Europa. Você pode contar o que aconteceu?

 

Foi uma frustração muito grande não conseguir fazer o mundial de kart no Brasil. A COVID 19 foi crucial nisso.

 

Felipe Massa: Estava tudo certo. Tivemos o problema da COVID 19, que afetou o mundo inteiro e prejudicou demais os deslocamentos, a circulação de pessoas nos aeroportos, o que teve como consequência que as casas, as fabricantes de kart, se posicionaram contra vir para o Brasil e não faria o menor sentido fazer um campeonato mundial só com brasileiros correndo. Eu lutei até o final, buscando dar garantias para todos virem para o Brasil, mas isso não foi suficiente e nem eu pondo a cara pra bater, conseguimos manter o campeonato aqui. Seria algo extremamente positivo para o kart brasileiro, seria algo sensacional, mas precisávamos da condição correta. Eu fico chateado até hoje por não termos feito o mundial de kart no Brasil, mas acabamos prejudicados por coisas além do esporte.

 

NdG: Depois de ter deixado a Fórmula 1 você foi convidado para ser Embaixador da categoria, indo a diversas corridas pelo mundo. Como era esse trabalho? O que faz esse Embaixador?

 

Felipe Massa: Era muito legal. Eu ia em 8 corridas da temporada e lá eu interagia com os fãs, dava entrevistas, entrevistava os pilotos também. Tinha um trabalho de networking e hospitalidade indo ao paddock club, conversando com as pessoas ligadas as empresas patrocinadoras dos eventos, passar alguma coisa do que era a experiência Fórmula 1. Era um trabalho muito divertido, bacana, mas com a decisão que eu tomei de ir para o tribunal e exigir justiça em relação ao que aconteceu em 2008, processando a Fórmula 1 e a FIA, por uma injustiça que eu sofri no passado depois de ter a prova – a gente já sabia, mas não tinha uma prova – e com a prova na mão, de que fizeram algo por querer, sendo uma decisão tomada, combinada, no ano passado (2023), estou indo em busca de justiça, pelo que é certo, porque o esporte é o esporte. O esporte é a competição, a luta, a alegria, não só para os pilotos, mas também para quem trabalha, para quem assiste na TV, para os fãs em primeiro lugar e não a manipulação. Se houve uma manipulação e isso não faz parte do esporte, isso não é justo com ninguém. Por isso, depois de ira ao tribunal exigir a justiça, eu deixei de ser Embaixador da Fórmula 1.

 

NdG: Felipe, esse assunto, já tão exposto por tantos meios na mídia não fazia parte do escopo da entrevista, mas já que você cutucou o entrevistador com uma relação de marchas curta (risos gerais), eu sou obrigado a tocar no assunto. E se você não ganhar a causa?

 

Eu vou lutar até o final pelo que é certo. Pelo que é justo. Houve uma manipulação e há prova que isso ocorreu.

 

Felipe Massa: Eu lutei! E vou lutar até o final. O que considero mais importante é a gente lutar pela justiça porque o que aconteceu comigo foi uma manipulação comprovada e a própria FIA comprovou isso. O que a gente não sabia é que eles tiveram o conhecimento ainda naquele ano e decidiram não fazer nada pra não cancelar a corrida, não mudar o campeão. Para mim o correto é a justiça e é preciso lutar pelo que é justo. É isso que eu estou fazendo e vou lutar até o final.

 

NdG: Depois de encerrado o processo, independente da decisão, como você acha que vai ficar a tua relação com a FIA e com a Fórmula 1?

 

Felipe Massa: Eu nunca falei mal da FIA ou da Fórmula 1. Nunca falei mal de ninguém, sempre respeitei e respeito. Assisto todas as corridas, sou um apaixonado pela Fórmula 1, pela Ferrari, pelo automobilismo e um apaixonado pela justiça, então se alguém ficar bravo comigo porque eu lutei pela justiça, o que eu posso fazer?

 

NdG: Quando aconteceu esse imbróglio de 2008, não era o Grupo Liberty Media que detinha os direitos da Fórmula 1, era a CVC, e quem mandava nas coisas era o Bernie Ecclestone. Como eles estão vendo isso tudo? Alguém conversou com você sobre isso?

 

Felipe Massa: Na verdade é a mesma empresa. Os donos são outros, mas o funcionamento, a estrutura, é a mesma. Como eles estão vendo isso é algo que você tinha que perguntar para eles. Ninguém veio conversar comigo cobre o assunto em momento algum e a questão agora está no tribunal e será lá que as coisas serão decididas.

 

NdG: Em 2009 você sofreu aquele acidente na Hungria e só voltou a correr no ano seguinte. O Nelson Piquet, que sofreu um grave acidente em Ímola, em 1987, disse que não foi mais o mesmo. Você acha que alguma coisa mudou em você?

 

Felipe Massa: Eu acho que não. Eu fiz todos os exames, todos os testes, nada estava alterado. Meu acidente não foi algo cerebral. Passou perto de ser, mas foi algo mais ósseo. Eu perdi boa parte do osso perto do olho esquerdo. Muita gente fala que eu nunca mais venci na Fórmula 1 depois do acidente. Me tiraram uma vitória, mas não por isso. Aqui na Stock Car eu já venci três vezes. O acidente mudou algo em mim? Não sei, pode ser que sim, mas eu não tenho a certeza clara como o Nelson tem no caso dele.