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Tragédia e heroismo em Zandvoort PDF Print E-mail
Written by Administrator   
Sunday, 28 July 2013 15:53

Hoje recordo algo que aconteceu há precisamente 40 anos, no circuito holandês de Zandvoort. Ali, naquele já distante dia 29 de julho de 1973, ocorria o que hoje pode ser considerado como um dos acidentes mais trágicos da história da Formula 1. Mas também foi o momento em que se viu uma das tentativas mais heroicas de salvamento, não de comissários de pista, mas sim de um outro piloto, que saiu do seu carro e foi em auxilio do seu colega. Hoje em dia, pouca gente sabe quem ganhou a corrida. Mas muita gente ainda se lembra que este foi a corrida onde foi sumariamente fotografada e registada a morte do piloto inglês Roger Williamson. Mas também as tentativas infrutíferas do seu compatriota David Purley de o salvar.

 

Em 1973, o circuito de Zandvoort fazia o seu regresso ao calendário da Formula 1, depois de um ano de ausência, para que pudesse passar por profundas obras de remodelação. Estas custaram cerca de oito milhões de dólares, mas que o colocaram de acordo com os padrões de segurança da altura: guard-rails duplos, uma nova camada de asfalto e áreas de escape. No dia da corrida, o sol estava na sua plenitude e mais de 80 mil pessoas decidiram aparecer na pista para assistir ao GP da Holanda.

 

Esta iria ser a segunda corrida para o piloto britânico Roger Williamson. Aos 25 anos, era visto como uma das “grandes esperanças” da Grã-Bretanha para chegar ao título mundial, dado o seu talento na pista, que tinha dado a ele três títulos de Formula 3 em 1971 e 1972, numa altura em que havia mais do que um campeonato nas pistas britânicas. Os seus carros e a sua carreira eram dirigidos por Tom Wheatcroft, um “self-made man” vindo da construção civil, mas apaixonado por automobilismo. Tinha visto Williamson a correr no inicio de 1971 no Mónaco, e tinha visto ali talento mais do que suficiente para a Formula 1.

 

 

Outro dos pilotos presentes era David Purley. Aos 28 anos, era filho do fabricante de frigoríficos LEC, que tinha amassado uma enorme fortuna no período após a II Guerra Mundial. Apesar de Purley ter crescido num berço de ouro, tinha o gosto pela aventura, tendo começado pela aviação, aos 15 anos, e passado pelo exército, no Regimento de Para-Quedistas, onde servira em Aden, na Peninsula Arábica (o atual Yemen) em meados dos anos 60. Somente quando saiu do exército, e viu o seu amigo e vizinho Derek Bell se dar bem no automobilismo, é que resolveu tentar a sua sorte, com bons resultados na Formula 3 e Formula 2.

 

Ambos tinham carros March. Se no caso de Purley, era um chassis que tinha adquirido, no caso de Williamson, era um chassis oficial, depois de Wheatcroft ter convencido a marca a coloca-lo por lá. Para ele, esta seria a sua segunda corrida na carreira, depois de ter tido uma má estreia, em Silverstone, onde ficou envolvido na carambola do inicio da segunda volta, onde onze carros ficaram envolvidos num acidente provocado pelo despiste de Jody Scheckter. Já no caso de Purley, a sua estreia tinha sido pouco tempo antes, no Mónaco, e já ia para a sua quarta corrida da sua carreira.

 

 

Na qualificação, onde Ronnie Peterson tinha levado a melhor, e Emerson Fittipaldi corria inferiorizado devido a um acidente que o tinha ferido numa das pernas, Williamson tinha sido o 18º na grelha, três lugares à frente de Purley. Na volta seis, um pneu furado faz com que Williamson bata nos “rails” pela esquerda na curva Scheivlak e ricocheteia, virado de pernas para o ar, arrastando-se pelo chão para o outro lado da pista. Nesse percurso de 275 metros durante o arrasto, o tanque riscou o asfalto, com o efeito similar ao de um palito de fósforo sendo friccionado contra a caixa, causando de imediato um incêndio. Quando o carro acabou por parar, Williamson estava vivo, consciente, preso, sem possibilidade de sair.

 

Testemunha do que tinha acontecido, pois seguia imediatamente atrás dele, David Purley encosta o seu March e corre em direção de Williamson, acreditando que ele estava vivo. Entretanto, o incêndio espalhava-se e os comissários de pista tentavam apagar o fogo com os seus extintores. Quando Purley chega, começa por tentar apagar o fogo, para depois tentar virar o carro ao contrário, com os comissários a assistirem passivos ao que se passava, pois julgavam que o carro que Purley estava a virar… era o dele!

 

 

Corre-se a lenda que, vendo o que se passava, Williamson reconheceu Purley e gritou: “Pelo Amor de Deus, David, tira-me daqui!”. Este fazia o impossível, e pedia aos comissários para o ajudar. Mas estes não o fizeram, devido ao fogo, que era cada vez mais intenso, e para piorar as coisas, a organização não tinha visto a coluna de fumo e interrompido a corrida, limitando-se a assinalar o local com uma bandeira amarela. Um equívoco que acabaria por ser fatal.

 

Ao fim de alguns minutos, desolado, Purley caminhou para fora dali. Entretanto, um carro dos bombeiros tinha sido finalmente levado para o local – com a corrida a decorrer - e apagaram o incêndio em pouco mais de um minuto. Mas ali, já era tarde demais: o promissor piloto inglês de 25 anos, que tinha ganho tudo na Formula 3 britânica, estava morto. O resto da corrida não teve importância: Jackie Stewart acabou por ser o vencedor, seguido do seu companheiro Francois Cevért, e do inglês James Hunt, num March do seu amigo Lord Hesketh, que conseguia ali o seu primeiro pódio da sua carreira.

 

 

O acidente tinha sido visto por milhões de pessoas no mundo inteiro, através da televisão, e tinha causando profundo impacto. Para alguém como Jackie Stewart, um paladino pela segurança na Formula 1, foi demais, e parece que foi nesse momento que decidiu retirar-se da competição no final daquela época. Anos mais tarde, disse que certo dia, ele e a mulher, Helen, começaram a contar todos os amigos que tinham perdido em competição. Pararam nos 53.

 

Para tentar salvar a face, os organizadores holandeses afirmaram logo que Williamson tinha morrido no impacto. O inquérito subsequente, cujos resultados foram divulgados dois anos mais tarde, confirmou a versão de Purley: Williamson estava vivo no momento do impacto, e que só tinha sofrido escoriações. O primeiro camião de bombeiro só chegou ao local oito minutos mais tarde, demasiado tarde para socorrer o piloto britânico. Soube-se depois que houve casos de espectadores que queriam ajudar Purley a virar o March, mas estes foram rechaçados por polícias com cães. Ed Swarts, o director da prova daquele ano, tentou anos depois justificar o que se tinha passado: “Foi tudo uma terrível má interpretação do que estava a acontecer.”

 

 

Purley ficou desolado por não o ter salvo. Contudo, o seu gesto fez com que fosse condecorado com a George Medal, a condecoração civil mais alta da Grã-Bretanha por bravura. As fotografias do acidente, e subsequente tentativa de salvamento, foram tiradas pelo holandês Cor Mooij, que em consequência, recebeu o prémio World Press Photo desse ano.

 

David Purley decidiu correr noutras categorias nos anos seguintes. Acabou por ser campeão da Formula 5000 em 1976 e no ano seguinte decidiu regressar à Formula 1 como piloto… e construtor. Fabricou o LEC, estreou-o em 1977, mas teve vida curta: nos treinos do GP britânico, o seu acelerador ficou preso ao fazer a curva Becketts e o carro acaba por embater fortemente nas barreiras de proteção. Sofrera um impacto de 179,8 G’s de força, pelo facto do carro ter vindo de 173 km/hora para zero… em meros 66 centímetros. Acabou por ficar esmagado no seu cockpit, com graves lesões nas pernas, na pelvis e no torax. Mas tinha sobrevivido.

 

 

Andou mais de um ano a recuperar dos seus ferimentos e voltou a competir, mas não voltou mais à Formula 1. Acabou por regressar ao seu primeiro amor, a aviação, e dedicou-se às acrobacias aéreas. Acabará por morrer a 2 de julho de 1985, num acidente aéreo.

 

Quanto a Tom Wheatcroft, a pessoa que ajudou Williamson até ao fim, decide adquirir algum tempo depois o circuito de Donington Park, que na altura estava abandonado, depois de ter sido um depósito de camiões do exercito britânico. Recupera-o e reabre em 1979 para receber provas automobilísticas, acabando a fazer parte do calendário, chegando a receber a Formula 1 por uma vez, em 1993. Dentro do circuito, Wheatcroft decide também fazer um museu com carros de Formula 1 e outros automóveis, tornando-se num dos maiores do mundo. E num dos cantos, estão os carros e os troféus conquistados por Williamson, enquanto que fora dela, está uma estátua sua em tamanho grande, inaugurada em 2003, cinco anos antes da morte de Wheatcroft.

 

Saudações d'além mar,

 

Paulo A. Teixeira